Em 1966, um grupo de médicos e educadores da Universidade de Brasília imaginou que o ensino médico poderia ser diferente. Nascia, assim, a Faculdade de Ciências da Saúde da UnB. Ousada e inovadora em seu nome, na sua estrutura curricular e na sua prática de ensino. Quase uma heresia didática. As matérias do ciclo básico mudavam a sua inserção, tradicionalmente horizontalizada. O estudo da anatomia e da embriologia integrava, agora, blocos e sistemas orgânicos, verticais. Os alunos aprenderiam a anatomia do sistema locomotor e do aparelho respiratório, por exemplo. Não mais o conceito de anatomia isolada, ausente do seu contexto de órgãos e sistemas. O mesmo critério seria aplicado à embriologia, fisiologia e outras áreas.

Em 1967, a nova escola assumiu um hospital da rede pública, da Secretária de Saúde do DF, localizado na cidade-satélite de Sobradinho, e foi denominada Unidade Integrada de Saúde/Uiss onde seria desenvolvido o ciclo clínico voltado a dar assistência para a população, dando início à prática da chamada medicina comunitária. Esse modelo foi ampliado, tempos depois, para a cidade de Planaltina/DF.

Decorridos 50 anos, o que restou dessa experiência integradora? O ensino no ciclo básico voltou à  forma tradicional. O ensino médico foi transferido para o Plano Piloto, no HUB, antigo hospital do Inamps, reassumindo sua estrutura tradicional. Essa história ilustra a força do tradicional conservadorismo do ensino médico, sem direito à missa de réquiem e sem maiores lamentações.

A maioria dos brasileiros, de todos os níveis socioculturais, afirma, sem vacilar que um dos grandes problemas do país é a educação, colocando com desafio de como reinventar a educação. No atual mundo conectado que incorpora novas tecnologias, uma pergunta é pertinente. Por que o sistema tradicional de ensino resiste a tantas e tão intensas inovações e transformações que ocorrem no seu entorno? Curiosamente, a sala de aula, local onde alunos e professores passam a maior parte do tempo útil das atividades escolares, é pouco citada como alvo prioritário para o desenvolvimento inovador do complexo sistema ensino/aprendizado. E é bem provável que aí resida o nó da questão educacional.

Inúmeras propostas e experiências no campo educacional têm sido apresentadas no Distrito Federal e em outras regiões do Brasil. Como denominador comum para a conquista da qualidade na educação brasileira, a formação e a valorização do professor é requisito absoluto. O velho professor morre e dá lugar ao novo, que orienta e estimula os estudantes, utilizando métodos instigantes e inovadores. Estudantes e professores passariam a adotar, de forma inteligente e natural, recursos eletrônicos largamente disponíveis e de custo acessível, para o aprendizado. Os conteúdos inúteis, como pregava Darcy Ribeiro, deverão ser eliminados em todos os níveis de ensino. As atividades desenvolvidas, desde a educação infantil até a pós-graduação, deveriam ser um cenário para o exercício do pensamento, da criatividade e da crítica argumentada.

Assim, em vez de aulas expositivas, novas atividades devem ser introduzidas, e que exijam pesquisa e motivação. Nesse contexto, o estudante, como pregava Paulo Freire, deve ser o grande protagonista. O grande desafio é proporcionar a todas as crianças e jovens uma educação de qualidade que coloque em prática os quatro pilares introduzidos pela Unesco – aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver – integrando as habilidades cognitivas com aquelas essenciais e compatíveis com o século 21, as chamadas habilidades sócio emocionais.

As políticas educacionais burocráticas impostas pelos governos nas últimas décadas devem ser abandonadas, mesmo as bem-intencionadas, mas até agora inúteis. Precisamos introduzir na educação brasileira, propostas estruturantes e estratégicas que possam ser transformadoras e que produzam mudanças e melhoras efetivas no sistema educacional brasileiro. O desafio não é trivial. Nesse contexto, é pertinente lembrar o pensamento de Paulo Freire: “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”.